Iluminando em nome de Deus: Prefeitura de Campo Grande destina até R$ 19,8 milhões à compra de luminárias enquanto servidores seguem sem reajuste

Em tempos de crise e discursos austeros, a Prefeitura de Campo Grande parece ter encontrado luz — e recursos — no setor de iluminação pública. Mesmo após reajustar em 25% pelo menos dez contratos da área, a gestão municipal acaba de aderir a uma ata de registro de preços que pode resultar em um gasto de quase R$ 20 milhões com a aquisição de luminárias.
A ata foi firmada no município de Itacu, no Maranhão, uma pequena cidade com cerca de 24 mil moradores, mas que agora serve de base para um contrato milionário da capital sul-mato-grossense. O fornecimento do material ficará a cargo do consórcio IPS Conleste LTDA, com sede em Brasília — empresa criada em outubro do ano passado e que, curiosamente, teve a ata registrada poucos dias depois de sua fundação.
O documento original, válido até outubro deste ano, contempla valores para usinas fotovoltaicas e iluminação pública, com teto de até R$ 552,8 milhões. A Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos (Sisep), no entanto, optou por reservar apenas a parte referente às luminárias. A adesão foi oficializada no Diário Oficial da última segunda-feira (7), sob a justificativa de “fornecimento futuro e eventual” de equipamentos e materiais elétricos.
A prefeitura afirma que o valor de R$ 19.794.296,20 não representa uma compra obrigatória, mas apenas uma reserva. Ainda assim, o número chama atenção diante da falta de recursos para áreas básicas e da ausência de reajuste salarial para os servidores municipais, que estão há mais de três anos sem qualquer correção nos vencimentos.
Entre sombras e excessos
Enquanto a infraestrutura urbana acumula obras paradas e a população sente os reflexos da falta de investimento em serviços essenciais, os cofres públicos mostram fartura quando o assunto é iluminação. Em 2024, segundo dados da Secretaria de Finanças (Sefin), a arrecadação com a Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública (Cosip) cresceu 28,2% em comparação com 2023 — saltando de R$ 153,4 milhões para R$ 196,8 milhões.
Paralelamente, contratos com empresas terceirizadas para manutenção e ampliação do serviço foram turbinados com reajustes de 25%. Segundo a própria prefeitura, nos contratos de ampliação os equipamentos são de responsabilidade das empresas contratadas. Já nas ações de manutenção, cabe ao município fornecer o material — o que justificaria a adesão à ata maranhense.
A luz que não chega a todos
Com um setor privilegiado em meio à escassez generalizada, a gestão municipal segue acendendo luminárias enquanto deixa servidores e cidadãos à margem da escuridão orçamentária. O contrato de quase R$ 20 milhões com uma empresa novata e distante reforça a percepção de que, em Campo Grande, a luz pública pode estar iluminando, sim — mas não necessariamente as prioridades mais urgentes da população.