CPI do Consórcio Guaicurus escorrega nos próprios gastos e levanta dúvidas sobre rumo das investigações

Instaurada há mais de três meses com a promessa de apurar irregularidades no transporte público de Campo Grande, a CPI do Consórcio Guaicurus começa a acumular questionamentos — não apenas sobre o objeto investigado, mas também sobre a própria condução dos trabalhos e os gastos envolvidos.
Nesta semana, vieram à tona duas contratações que somam R$ 140 mil, segundo registros no Portal da Transparência da Câmara Municipal. Os valores surpreendem, pois superam os números mencionados anteriormente pelo presidente da Casa, vereador Papy (PSDB), que havia estimado gastos na casa dos R$ 100 mil. “Não vou saber o valor exato, mas penso que passou dos R$ 100 mil os dois juntos. É um pagamento só, um único trabalho”, disse, deixando claro o descompasso entre discurso e prática.
No dia 23 de junho, foi declarada vencedora a empresa Platinum Contabilidade e Gestão Ltda, escolhida via inexigibilidade de licitação para prestar assessoria contábil à CPI, ao custo de R$ 55 mil. Curiosamente, até o momento o contrato ainda não foi assinado, o que levanta dúvidas sobre a urgência e a transparência do processo.
Pouco depois, no dia 25 de junho, uma nova inexigibilidade de licitação garantiu a contratação do escritório Márcio Souza Sociedade Individual de Advocacia, por R$ 85 mil, para fornecer apoio jurídico à comissão. Segundo o presidente da CPI, vereador Lívio Leite (União), a contratação se tornou necessária após recomendação do Ministério Público de rescindir o contrato com o escritório anterior, Bastos, Claro & Dualibi Advogados Associados, que havia sido contratado em março por R$ 300 mil, também sem licitação, e virou alvo de inquérito civil.
O argumento utilizado para justificar a nova contratação é frágil. Lívio afirma que a procuradoria da Câmara não possui especialização em temas como os que envolvem o Consórcio Guaicurus, além de estar sobrecarregada com demandas legislativas. Entretanto, esse mesmo setor é chefiado por Gustavo Lazzari, sócio em um escritório de advocacia que tem como um de seus integrantes o desembargador aposentado Claudionor Miguel Abss Duarte — que, coincidentemente, é advogado do próprio Consórcio Guaicurus, investigado pela CPI.
A situação lança um véu de dúvida sobre a isenção e independência da comissão parlamentar de inquérito, que deveria atuar de forma técnica, austera e rigorosa no uso do dinheiro público. Em vez disso, o que se observa é uma sequência de contratações milionárias por inexigibilidade, contradições públicas e ligações incômodas entre os envolvidos.
Em tempos de descrença na política, a CPI que nasceu com a missão de fiscalizar um dos setores mais sensíveis para a população — o transporte coletivo — começa a se tornar símbolo do que não se espera de uma investigação séria: falta de transparência, conflito de interesses e uso questionável dos recursos públicos.